segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Do Espírito santo, Ruh al-Qods, e do Graal, Jaam-e Jam, no Irão, e em nós.

                         
                     Nascer do Sol divino no Irão: em Teheran, Maio de 2014.
A Divindade, Ahura Madza (Resplendor Sábio), tal como era nomeada pelos Persas ou, se quisermos ainda, o Eu Divino interno, inspira estes pensamentos ao reformador religioso Zarathustra (Brilhante como o ouro), no fargad XVII, do livro sagrado Avesta:
“Poderás chamar verdadeiramente um ser sacerdotal (Atharva) a quem durante a noite interroga o Espírito de santidade, o Espírito que liberta da opressão ou angústia, que expande a alma e tornará feliz a passagem [seja em vida, seja à hora da morte] da ponte Chinvat; o que faz obter a vida, a pureza e os bens excelentes do Paraíso [plano de unidade divina, ou estado beatífico e unitivo]…
Interroga-me com um espírito recto ou vertical, Eu que sou o Ser Originador e que impulsiono o desenvolvimento, Eu, o Espírito da Sabedoria e que respondo de bom grado a quem me procura. Disto resultará um grande bem para ti e a tua sabedoria crescerá..."
(Avesta, tradução a partir da tradução de Harlez, t. II, p. 244.  1875).
                                                         
                                 Zarathustra ou Zoroastro sob as asas de Ahura Madza, capa de livro que trouxe    da Índia há muitos anos, após um diálogo com um dastur, religioso parsi ou zoroástrico.
Neste importante texto do Avesta, o livro sagrado mais antigo (II milénio A. C.) da tradição espiritual Iraniana ou Persa, podemos desde logo realçar a invocação primordial do Espírito, divino ou santo, e que tanta fortuna terá com o Cristianismo e sobretudo em Portugal com o culto do Divino Espírito santo. 
E também a indicação de que para se O merecer é fundamental a prática da oração e da meditação, em especial durante a noite, ora de modo interrogativo e silencioso ora de modo vocal ou cantante, disto resultando a harmonização psíquica e a expansão consciencial as quais nos libertam da identificações limitativas ao corpo físico, de modo a vivenciarmos mais o corpo anímico-espiritual e os psicomorfismos (as ideias-energias-fotismos-seres) que permitem ligação aos mundos e níveis superiores. 
Esta morte em vida, e saída do corpo conscientemente, ou em consciência espiritual, à hora da morte, provém então de um estado de consciência da alma mais desprendido e puro, fortalecido pela identificação espiritual e pela prática do Bem, os quais lhe permitem ascender aos planos elevados e subtis do Cosmos psico-espiritual, mais ou menos unida ao Divino em nós. 
Esta arte de morrer, ars moriendis, será muito realçada na Tradição Espiritual Perene e dela falaram entre nós Antero de Quental e Fernando Pessoa, nomeadamente quando citaram e poetizaram o dito grego: «morrer é ser iniciado»
A prática de oração mais prolongada assumiu posteriormente na Pérsia, com a chegada do Islão no séc. VII, a forma da repetição invocadora do nome atribuído à concepção islâmica de Deus, ou dos nomes dos seus atributos de Santidade, sendo denominada de Dhikr ou Zikr, em modalidades tais como Hu Allah ou Allah Hu, ("Ele, Deus"), ou a da famosa confissão ou credo islâmico, a Shahada, que se inicia assim: La ilaha illa’llah..., "Não há Deus senão Deus...", ou ainda o dos Awliya Allah (amigos de Deus) Anta Ana ("Eu sou Tu") e que, invocadas, pronunciadas e dedilhadas sentida e perseverantemente, podem ajudar a acalmarmos a dispersão mental seja a sentirmos o Espírito santo no corpo e alma do Fiel do Amor, que todos nós somos potencialmente. E logo a despertarmos mais Nele, ou a sentir a Unidade ou Unicidade Divina (Taw'id). Psicologicamente ou mais simplesmente estamos a acalmar a mente, a equilibrar os neurónios e a aproximar-nos dos segredos do coração (sir-e-qalb)...  
                            
                                 Inscrições no tecto de uma mesquita em Teerão. Maio de 2014.
Sabemos bem da existência destas práticas desde cedo no Cristianismo e nas outras religiões e, apenas para fazermos alguma ligação mais concreta com a Tradição Espiritual Ocidental, relembremos nos sécs. XIII e XIV o Ciclo do Graal, que tem até algumas raízes persas (mais visíveis no Parzival de Eschenbach), no qual, na versão de Chrétien de Troyes, observa-se o eremita da floresta ensinar a Perceval: «Suficientes nomes de Nosso Senhor/ Os mais poderosos e melhores/ que nomear ousa a boca do homem...» 
Uma síntese de várias filosofias e religiões, e em especial do Zoroastrismo, da Filosofia Grega, do Hermetismo de Alexandria e do Islão será desenvolvida pelo mestre iraniano Shihaboddin Yahya Sohrawardi (1151-1191, mártir às mãos de Saladino) que, dotado de grande capacidade meditativa e contemplativa, discernirá fundo ou alto na dimensão vertical do ser humano até à sua contra-parte angélica amada (Fravashi) e chegando, através dos mundos subtis e espirituais, até à Luz Primordial (Noor al Anwar), da qual tudo emana, e partilhará a sua visão e caminho de Ishraq, a Sabedoria Divina da Luz, ou Sabedoria Iluminativa Oriental, em concordância com a Tradição Perene (Hikmat al-Atiqah) subjacente às religiões, em especial a Zoroastrica e a Grega, e das quais ele se considerou um revivificador.
Sobre o Amor, Mahabbat, escreveu muito no Awari ul Ma'arif, tal como: ele é a inclinação do coração para considerar com mais atenção a beleza; ou o laço dos laços de concórdia que enlaça o amante ao amado ou amada.
                            Shahab_al-Din_Yahya_ibn_Habash_Suhrawardi e as auras e anjos....
Um dos outros místicos, dos séc. XII-XIII, iranianos, que mais fundo e alto realizou na Unidade transcendente do Ser e do Cosmos (Wahdat al-wojud) e na interioridade psico-espiritual, nomeadamente no discernimento das cores da Luz (Noor) e nas prodigiosas visões no olho espiritual, é Najm al-din Kubra (1145-1221), o qual nos transmite, por exemplo esta clarificação na demanda: "O Espírito Santo (Ruh al-Qods) no ser humano é um órgão subtil celestial. Quando lhe é fornecida, ou aumentada, a himma, a energia espiritual concentrada do coração, ele religa-se ao Céu e o Céu mergulha nele. E podemos dizer que o Céu e Espírito são o mesmo. Este Espírito está sempre a vibrar, a crescer, até atingir a nobreza celestial..."
                                     
                                              Do mundo físico ao subtil, espiritual e Divino
Este consciencialização da descida do céu ou do espírito em nós, por exemplo tão acentuado nos Cristãos da Índia pré-portuguesa nas suas formas de representar o Espírito santo, tal como os portugueses encontraram em Madras e noutras zonas já com núcleos cristãos ditos de S. Tomé, ou mesmo ou até a identificação do dito Espírito santo da 3ª pessoa da misteriosa Trindade ao funcionamento do espírito em nós (numa linha que aliás já Orígenes apontara), são muito fecundas para os Fiéis do Amor do Espírito...
De Nadjim Kubra é também o famoso dito: «O que se conhece a si próprio, conhece o seu Senhor» 
Ambos estes mestres valorizam muito a presença do Espírito, ou, como ainda designam, Eu Superior,  Natureza Perfeita, Testemunha no Céu, Amado interior, que cada um de nós tem ou é em si no seu nível mais elevado, e pelo qual está dotado do acesso ou é a Inteligência Agente, o qual é o mesmo que Espírito Santo, Ruh al-Qods... 
Sabermos então ser universalistas e verdadeiros cavaleiros e cavaleiras (Javânmard) do Espírito Santo, tal como os portugueses encontraram no séc. XVI na Índia nos Nairs cristãos, os quais Jorge Ferreira de Vasconcelos elogia no seu Memorial das proezas da segunda Távola Redonda, 1567, é sermos pelo nosso amor, destemor e devoção pólos ou árvores da vida entre a terra e o céu, pronunciando  os nomes sagrados e vivendo os ensinamentos da Tradição Perene, entre os quais realçamos neste texto (e nestes anos em que a cupidez imperialista norte-americana tanto os ameaça) os mestres da Pérsia ou Irão, do Zoroastrismo ao Irfan ou Ma'rifat, a sabedoria ou gnose Divina.
Possamos assim  acender mais o fogo do Amor Divino em nós e no Cosmos e sermos portadores do Santo Graal ou, tal como se expressou na tradição poética e espiritual Iraniana, da taça de Jamshid, que permitia a quem a contemplava ter certa omnisciência, e foi denominada Jaam-e Jam, em Persa, جام جم ou ainda ainda como Jam-e Jahan nama, Jam-e Jahan Ara... 
                                 
                     O imortal poeta Hafiz contempla o Jaam-e Jam, que várias vezes cantou...
Que saibamos também nós erguer-nos à contemplação da luz, à comunhão do amor e do Graal, à religação com os mestres e a Divindade em nós....

domingo, 25 de setembro de 2016

A música do Geo e as nuvens e árvores do Palácio da Ajuda. Concerto, 24/9/2016

O Palácio da Ajuda convida-nos a entrar nos seus vórtices de energias ascendentes e luminosas, por muitas formas e meios plasmadas e ressoantes.
É o dia 24 de Setembro, pelas 16.30 e pouco, o Geo inicia o seu concerto de boas vindas do Outono e dos seus espíritos modeladores das aras, das almas e das nuvens, neste belíssimo Palácio Nacional da Ajuda, o qual contou com a presença do grupo habitual constituído pelo Carlos Alberto Cavaco, a Catarina Barão, a Inês Martins, o António Carmo e a Teresa Araújo. Neste concerto participou e muito expressiva e harmoniosamente a Companhia Matridança.
A sala cheia e eu a chegar em cima da hora e a ficar na última fila impediram fotografias aceitáveis.  Segue-se a música inicial, Divertimentos...
                          
O céu, ou tecto da sala sobre o qual decorreu o concerto, atrai-nos fortemente, pelas múltiplas formas hamoniosas dispostas em ovais e pelas perspectivas de luz e de fundo, e projecta-nos para os céus espirituais, sobretudo por algumas músicas que convidam ou impulsionam a tais movimentos ascensionais a alma mais sensível, interiorizada ou receptiva... 
Sobe pelo fio da alma ou sutratma, pela música ou shabda, sat nam, até à harmonia das esferas e hemisférios, até à oval da paz e do Amor, ao infinito azulado do Espírito e do Divino...

Na bela sala rosada das Nuvens (ou dita sala dos Archeiros) a música do Geo encantou muito certamente os Manes antigos (provavelmente aqui cantados pelo imortal Bocage) e os Kamis e Anjos actuais, muito bem evocados em pinturas de Cupidos Archeiros do Amor, ligada às Musas, a Vénus e a tradição Órfica (que Camões, Bocage ou Pessoa bem cultivaram) pela lira...

E à saída no céu adjacente ao palácio da Ajuda belas formações de nuvens se delinearam sobre os rastos químicos dos aviões, em imagens que são sempre desafios à nossa clarividência das formas energéticas que a música provoca nas almas e no campo unificado de consciência e informação que nos envolve e no qual participamos pela frequência dos nossos psicomorfismos ou ideias forças que vamos gerando em vida e para a perenidade....
Por entre as sombras, nuvens e dualismos avança com o fogo do coração bem acesso...
Cedros da incorruptibilidade ou espíritos firmes no caminho da Verdade bem precisos são nos nossos dias tão corruptos, corroídos ou poluídos....
                                             Acasalamentos entre as árvores e as nuvens
Também os céus da Tágides nossas e da Tradição Espiritual Portuguesa foram palco de concertos aéreos que formaram efeitos espectaculares, muito provavelmente também com a ajuda de alguns espíritos da natureza, devas ou Anjos, que terão tentado mitigar os efeitos dos carburantes pesados nos ares e nos pulmões...
                 Sobre o rio Tejo, quem sabe por causa das Tágides, as nuvens esmeram-se...
Ligação para outra música do concerto gravada, em destaque a concertina do António Carmo:  https://youtu.be/ZgNaQXwHPoQ
As árvores inclinam-se, as árvores, como mestres, convidam-nos a abraçar o amor constante  pela Luz verdadeira, divina..
                                 Sintoniza com a Árvore Cósmica em ti. Sê mais corajosamente. mesmo que a sós, o teu ser e caminho...

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

"A Expressão da Liberdade em Antero e os «Vencidos da Vida", de Feliciano Ramos, e a demanda de Antero de Quental.

                                           
A Expressão da Liberdade em Antero e os «Vencidos da Vida», um ensaio de Feliciano Ramos, publicado na editorial Império em 1942, é ainda hoje bastante actual pois as inquietações e interrogações anterianas e a demanda intensa do sentido e realização da vida que o ensaio tenta cingir a todos interpelam.
Nesta obra, Feliciano Ramos começa por valorizar a força tremenda libertadora e revolucionária de Antero, expressa nas Odes Modernas, em 1865, mas já circulando desde 1863, quebrando com os ultra-românticos e a escola de Castilho, e cita Alberto Sampaio, grande amigo de Antero: «A lembrança da tempestade, que o livro provocou, conserva-se ainda geralmente viva; ele era de facto como uma planta de flora desconhecida; rebentava sem se saber que ventos lhe trouxeram as sementes, e abria as flores estranhas num ambiente inadequado».
                                     
A célebre Questão Coimbrã ou  do Bom Senso e do Bom Gosto, na qual participarão tantos escritores e que terá o mesmo um duelo, é o campo da batalha com António Feliciano de Castilho e a escola Romântica (entre nós pouco mágica ou gnósica, algo que Bocage de algum modo já começara a ultrapassar e por vezes como vate mais espiritual "orfizara"), e simultaneamente a entrada da Literatura Moderna, mais realista e naturalista, mas também idealista,iniciada por Antero, Teófilo Braga, Guilherme de Azevedo, Vieira de Castro e a que se juntam em breve Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro e outros.
Feliciano Ramos refere então o famoso Cenáculo, a casa de encontro no Bairro Alto, hoje na R. Diário de Notícias, nº 19, escrevendo mesmo que «Eça compara a chegada de Antero ao quarto de Batalha Reis com a vinda do rei Arthur à confusa terra de Galles», logo os iniciando no socialismo de Proudhon; todavia, embora todos avancem no naturalismo estético e realista e numa posição lúcida e crítica das causas da lentidão do progresso em Portugal, Antero de Quental não encontrará plenamente os companheiros, ou as ocasiões de trabalho em conjunto, para os ideais e voos mais éticos, metafísicos, espirituais, libertadores.
Estarão juntos sim nas famosas Conferências democráticas do Casino, mesmo na Baixa lisboeta, junto onde está agora a livraria Sá da Costa, as quais de tal modo agitam as ideias ou revolucionam a pacatez e conservadorismo do meio que acabam por ser proibidas pelo ministro, o Marquês António José d'Ávila e Bolama, o qual será forte e genialmente interpelado e contestado em carta pública por Antero, defendendo sentir-se «no peito coração, dignidade, independência», citando o que «diz também a Carta Constitucional:"Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavra e escritos, ou publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometeram, no exercício desse direito"»

As prisões, perseguições ou assassínios de jornalistas valiosos, tais como Julian Assange, Edward Snowden, Jamal Khashoggi, são fenómenos modernos da mesma mentalidade opressiva e inquisitorial, hoje na sua proveniência maior do imperialismo norte-americano e dos seus aliados mais brutais. 
Talvez Feliciano Ramos pudesse ter inserido algumas das palavras que Alexandre Herculano, de algum modo mestre de Antero, acerca de tal repressão escreve a José Fontana, um dos organizadores das Conferências do Casino: «O governo parece ignorar que o bom ou mau uso dos direitos absolutos está acima e além das prevenções da política. Dizer-se que se respeita a liberdade do pensamento, sob a condição de não se manifestar, é pueril. Na manifestação é que reside a liberdade, porque só os actos externos são objecto do direito, e a liberdade de pensar em voz alta é um direito originário, contra o abuso do qual não pode haver prevenção, mas unicamente castigo.»                           
A dinâmica metafisica e espiritual de Antero de Quental está em geral bem vista neste ensaio por Feliciano Ramos e vale a pena ouvi-lo mais detalhadamente no seu 2º capítulo, O Supra-sensível e a inquietação metafísica n'«Os Sonetos»:
«A sua altíssima sensibilidade metafísica não só o tornou um precursor do espiritualismo do séc. XX, como o levou a escrever Os Sonetos, cuja perenidade especulativa e sentimental será indestrutível (...) Antero foi sempre agitado pelas maiores inquietações supra-sensíveis e por uma ansiedade transcendental que o transfigurava por completo. Ele notou bem a presença dessa idealidade que lhe tomava o espírito, e muito lucidamente, se julgava místico e sonhador. Vinca-se já esta compleição visionária nas Odes Modernas e nas Primaveras Românticas, mas é particularmente em os Sonetos que ela adquire maior expansabilidade. Vê-se nessa obra que a miragem vastamente o estonteia. Os Sonetos lançam-nos num mundo novo e são a criação portentosa duma alma sedenta de infinito e mistério. Nunca na literatura portuguesa a imaginação de um poeta se revelou mais criadora e activa»... 

                                     
Deste passo de Feliciano Ramos, uma frase poderemos reflectir mais: «Vê-se que a miragem vastamente o estonteia...»
Foi Antero de Quental vítima de miragens e ilusões? Ou mesmo de uma nevrose hiperactiva e depressiva? E de projecções excessivas de ideias e noções filosóficas, ou mesmo de personificações fantasiosas de figuras clássicas ou míticas de valores ou entidades em si neutras, tais como a Morte, a Razão, a Verdade, e que assim vestidas ou investidas, cultivadas ou adoradas por Antero de Quental, em diálogos subjectivos, o enfraqueceram ou iludiram?
Ou foi também a imensidade do infinito e dos seus mistérios do amor, do sofrimento e da morte que fatalmente realçaram, em quem tanto tentou adentrar-se nele, aliado a certas incapacidades de corpo e de ânimo, desde 1874 desencadeadas e que correspondiam a fragilidades já herdadas do seu sistema nervoso e temperamento, que o encaminharam para o seu percurso e fim?
                                 
Talvez Feliciano Ramos exagere ao considerar que Antero de Quental perdeu, e diremos nós, um certo horizonte e foco firme, ou a visão clara e precisa pois, mesmo nos seus idealismos ilusórios e escolhas menos acertadas de culto, a sua menos clara ou menor orientação face à contingência e fragilidade da vida, a melancolia ou o pessimismo que sentiu, foram confrontados e assumidos como ponte de passagem e via crítica para se chegar ao transcendentalismo positivo, à crença na espiritualidade substancial do ser humano e do Universo, ao espiritualismo completo e panpsiquismo, como ele foi realizando cada vez mais e que transmitirá em carta de 14-XI-1886 a Jaime de Magalhães Lima: «...é muito certo que não são os sistemas que nos salvam e nos põem no bom caminho. O que nos salva é a obediência cada vez maior às sugestões daquele demónio interior, é a união cada vez maior do nosso ser natural com o seu princípio não natural, é o alargamento crescente da nossa vida moral nas outras vidas não morais, é a fé na espiritualidade latente mas fundamental do universo, é o amor e a prática do bem, para tudo dizer numa palavra. É por isso que a melhor filosofia será sempre aquela que melhor auxiliar a compreensão e a prática da virtude»...
                                      
Afirma também Feliciano que Antero de Quental fora «um espírito absolutamente fora da órbita positivista,» e ao confirmar a sua predilecção pela conversa, pelo diálogo mais do que pela escrita, observa como Antero colheu da natureza muitas das imagens e metáforas que utiliza na sua demanda da Esfinge do Universo mas que «da interrogação nenhuma resposta positiva advém», resultando o seu tormento metafísico não só dessa oscilação de dúvidas mas também das antíteses ou oposições que o dilaceravam, e que os Sonetos tanto revelam.
Embora já na época da preparação da publicação definitiva (1886) dos Sonetos, em Vila do Conde, Antero tivesse alcançado uma visão espiritual e transcendental em certos aspectos elevada, mas que  diz estar reflectida apenas em alguns dos seus últimos sonetos, será de facto só pelo pensamento filosófico e sobretudo no ensaio publicado em 1890, as Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do séc. XIX, que tal será finalmente passado à posterioridade, talvez como o fruto mais sazonado da sua aventura poética, terminada uns anos antes (1884), e da sua demanda metafisica, esta infindável e que ele desejaria ainda mais completa mas para a qual já não tinha forças. Todavia, também na sua vasta correspondência estão transmitidas com grande beleza e elevação muitas centelhas ou mesmo aspectos das suas questões e doutrinas, aspirações e realizações, de grande valor psicológico e espiritual.
Como sabemos a interpretação e valorização deste seminal ensaio da Tendências
Gerais da Filosofia tem sido muito diversa (sendo a de Leonardo Coimbra das melhores) e atentemos então no que sentiu por vezes com bastante claridade Feliciano Ramos, e transcreveremos até o início do seu terceiro capítulo intitulado A Liberdade Suprema nas Tendências Gerais da Filosofia: «À medida que os paladinos da ciência experimental e os apaixonados do Positivismo viam crescer a sua descrença na metafísica, Antero, com indomável coragem intelectual, ficava esperançosamente à margem da disputa e abria os seus artigos sobre as Tendências gerais da Filosofia, publicados na revista Portugal (1890), por um acto de confiança espiritualista, afirmando logo de entrada: a filosofia é eterna como o pensamento humano».
                                 
Feliciano Ramos expõe depois a dialéctica anteriana de critica à relatividade do conhecimento científico «que carecia simplesmente de ser completado pelo que Antero chama a penetrante luz transcendental, que permitiria atingir o ser íntimo e a realidade substancial das coisas. E como penetrar nessa zona obscura? O instrumento da exploração agora será a consciência, a qual goza não só do privilégio de ter em si a noção do que não é sensível, mas também do poder da percepção imediata desse extracto mais fundo de ser inacessível da região superficial da pura sensibilidade»
Detenhamo-nos um pouco, pois por vezes as enunciações filosóficas e metafísicas ainda que correctas em termos de princípios e de discursividade lógica não são tão facilmente actualizadas ou realizadas no quotidiano. 

Esta penetrante luz transcendental consegue assim tanto atingir o ser íntimo humano ou das coisas? Ou brota ela mesmo desse íntimo ou imo espiritual do ser?
Se alguns místicos e filósofos atingiram tal dimensão íntima, como Antero de Quental também confessa referindo por exemplo que conseguiu «chegar teoricamente até aquela profundidade de compreensão do «homem interior», como eles diziam, a que os místicos chegaram», isso não impede que seja uma tarefa bem difícil de se passar da teoria à prática, em geral muito oscilada ou ondulada pela personalidade e a mente e que ele próprio provavelmente sentiu e confessa frequentemente, dada a nevrose que desde 1874 o atacou, com tantos problemas até de postura vertical, sentado, para poder meditar, por exemplo.
Será pois sempre um mistério discernir quanto veio do amadurecimento doutrinal e quanto veio de tal presença do Homem interior, ou como se denomina na tradição persa o Homem Universal,  ou no fundo o Espírito, no aprofundamento da interioridade e da ética,
manifestado nele sempre como aspiração de conhecimento filosófico e espiritual libertador e gerando certa serenidade bem visível a partir da década de 80.
                                
Vemos então tanto em Feliciano Ramos como em Antero de Quental como que uma exagerada confiança no nosso acesso ao Espírito, sendo este visto simplesmente como uma energia universal e como dinamismo idealizante que seria até Deus, o que não é correcto. Descreve Feliciano Ramos o espírito como «uma força autónoma, que se conhece na sua íntima natureza, que é causa dos seus próprios factos e só às suas próprias leis obedece, e consequentemente, existe em si e em si encontra a plenitude. Pender para essa plenitude é elevar-se à realização de um ideal que Antero designa por Deus».
A pouca consciência e identificação com o espírito individual que as pessoas têm na sua consciência normal, o envolvimento com tudo o que o nos rodeia e o embaraça e o difícil discernimento do que é o Espírito universal e Divino e o espírito humano (uma simples centelha) são factores de peso no dificultar-se da realização espiritual interna e que não foram bem tomados em conta por Antero e assim a entrada no mundo espiritual, além do acolhimento nobre e idealista dos valores e ideias, não se realiza tanto na prática. E na sua ânsia de Absoluto vai admitir talvez demasiado rapidamente um saber total, ou como refere mais de uma vez, a coincidência entre o ser e o saber, algo que dificilmente se pode realizar mais do que parcelarmente, momentaneamente ou então apenas numa iluminação tipo búdica sempre tão subtil quão rara....
Ora se sabemos que Antero cogitou, e em especial através da filosofia de Proudhon, Leibnitz, Hegel, Kant, Hartmann, Schopenhauer e Fitche, noções e níveis do ser como inconsciência, espírito, razão, mónada, absoluto e que fez leituras acerca das religiões antigas, Budismo e Nirvana, misticismo cristão medieval, restaria saber que intuições e visões ele alcançou e que consubstanciaram os aspectos mais próprios ou originais da sua síntese do idealismo e do espiritualismo, vasada como substância no próprio átomo-força, tal como refere na sua obra e epistolografia, chamando-lhe um «misticismo moderno, um misticismo científico e positivo».
Talvez assim pudéssemos compreender melhor até as razões filosóficas que poderão ter visto como autorizável eticamente o seu suicídio pessoal ou fim corporal físico, que não anímico-espiritual já que é imortal, e neste aspecto anímico o mistério permanecerá sempre quanto ao que pensaria ou anteveria Antero no post-mortem, e seja nos últimos dias seja nos últimos minutos?
                                          
Para Antero de Quental o dinamismo psíquico do espírito em nós visa a liberdade e a ligação com a Verdade e o Divino, e realiza-se pela ética e a vida moral que vamos desentranhando de nós pelos nossos actos, pensamentos e sentimentos a qual que faz diminuir o ego, expandir o espírito e abrir-nos aos níveis mais profundos e impessoais onde a Justiça e o Bem, a Compaixão e a Pureza brilham. E nisto ele é brilhante.
Talvez tenha faltado um pouco a Antero a experiência do Espírito individual, a visão e ligação com a centelha espiritual dentro de si mesmo. Talvez também tenha faltado a ligação aos mestres e ao Anjo e à Divindade nele.
Mesmo assim quanto não conseguiu ele, sobretudo pela sua ardente aspiração, pela sua lúcida razão e pelo intenso sentimento, pelas suas constantes reflexões e meditações, e pela poesia e as cartas aos amigos nas quais nos transmite tantas profundas e belas impulsões de bem, de verdade, de justiça, de liberdade?
Se voltarmos ao valioso ensaio de Feliciano Ramos, entraríamos no seu quarto e último capítulo, intitulado O Grupo dos Cinco e a decadência do Naturalismo, e onde passa em revista a evolução do naturalismo para o culto de valores espirituais nos quatro escritores amigos de Antero que constituíram com ele o chamado Grupo dos Cinco: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e Oliveira Martins, questionando se eles teriam mudado de rumo, ou seja, se fora a influência de Antero que os levara a saírem do fenomenalismo e naturalismo algo materialista e a abrirem-se mais a certo idealismo, simbolismo e espiritualismo. E conclui que sim, mostrando em todos eles as obras ou os traços que rescendem tal subtil magistério, influxo ou comunhão anteriana.
                             
Neste sentido podemos nós ainda acrescentar que a vida e morte de Antero de Quental foi crística, isto é, ungida e ungidora, sacrificial, pois ao morrer tão só e e algo desamparado terá suscitado nos seus amigos uma certa reconversão para uma maior intuição e vivência da alma-espírito, até por não terem conseguido intuir a crise amarga de Antero e de o impedirem de se ter adentrado pelos portais da morte radicalmente, algo precocemente.
Mas quanto ao ter sido precocemente ou não é difícil sabermos se Antero esgotara a sua força de vida e paciência ou, ainda, se já cumprira a sua missão?
Terminemos este pequeno escrito com uma última citação de Antero de Quental, escolhida pelas mãos e coração de Feliciano Ramos, de uma carta dirigida em 1886 a Jaime de Magalhães Lima, certamente um dos grandes amigos e discípulos de Antero: «o que mais me alegrou na sua carta foi o dizer-me que começava a sentir, nestes últimos tempos, um renascimento dos antigos sentimentos religiosos, embora transformados, e uma invencível necessidade de idealismo. Alegrou-me isto e queria simplesmente dizer-lhe que cultivasse e cuidasse com amor esse novo rebento da profunda raiz, que cuidava morto, porque essa será a árvore da bênção, que lhe há-de dar sombra para o resto da vida».
Saibamos nós trabalhar e cultivar a árvore da Tradição Espiritual Portuguesa onde Antero de Quental tanto se esforçou e notabilizou...
                          
                           Um cedro, axis mundi lisboeta, ao Príncipe Real...

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Congresso do Espírito Santo, em Alenquer, 2016: retrospectiva e ensinamentos.

  
Igreja do convento de S. Francisco.
Os Anjos comungam o Espírito e a Divindade mais plenamente...
O mestre abre o discípulo ao Espírito o qual é sentido descendo vibrantemente como uma ave 
                                Que na bandeira ou aura do nosso ser, o fogo do Espírito arda invencível
O Congresso do Espírito Santo, em Alenquer,  16 a 18 de Setembro de 2016, visto em retrospectiva no dia 20 de manhã por Pedro Teixeira da Mota, que falara a 16 sobre O Espírito e o Espírito Santo e três dos últimos elos da Tradição Espiritual Portuguesa: Antero de Quental, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, com alguns ensinamentos acerca do Espírito tanto o individual como o mais conhecido como Espírito Santo....
                          

domingo, 18 de setembro de 2016

Imagens do Congresso do Espírito Santo, em Alenquer, e da cidade. 16 a 18- IX-2016.

Selecção de imagens vivenciadas no decorrer do Congresso do Espírito Santo, realizado em Alenquer, 16, 17 e 18 de Setembro, com a participação de devotos, universitários e investigadores portugueses, brasileiros e estrangeiros,
sob uma grande diversidade de temas ainda que sob a égide ou a bandeira do Espírito Santo, a qual foi aliás referida em algumas palestras já que no culto do Espírito Santo no Brasil há uma grande fé nos poderes ou energias abençoadores das bandeiras das confrarias do Espírito Santo, envolvendo-se mesmo nelas as pessoas durante algum tempo.
Muitas das sessões aconteceram no auditório do nosso querido amigo e ímpar humanista Damião de Goes, confidente de Erasmo no fim da sua vida...
E estiveram todas sob a protecção e invocação de uma bandeira e de uma coroa do Espírito Santo, bem artísticas e susceptíveis de nos inspirarem.
A cidade tanto monumental como presépio como vila esverdeada disponibilizou com grande amor vários locais históricos para as sessões, destacando-se nas imagens seguintes os Paços da Câmara, com belas salas, escadaria, vitrais, pinturas e estuques, 


bem como muitas simpáticas pessoas, desde os que como motoristas muito atenciosos e sábios levavam e traziam os Congressistas, 
até aos vereadores e ao Presidente da Câmara que dialogam e gerem a res publica, na imagem o Presidente da Câmara Municipal, Pedro Ferreira Folgado a dialogar à porta de uma das jóias mais preciosas do seu município: a porta biblioteca do claustro e convento de S. Francisco...
Não destacarei especialmente qualquer das comunicações pois dada a nossa actual não ubiquidade só pude assistir a algumas..... 
mas referirei as conversas interessantes com pessoas como o presidente da Confraria da Rainha Santa em Coimbra, o vereador Eurico Borlido, comunicantes e assistentes como Maria Gorete Cacho, Carlos Paiva Neves, P. António Rego, António Moniz, Maurícia Teles, Neusa Mariano, Lídice Ribeiro, Paola Nestola, Ildemar Pereira, Helena Rebelo, Susana Alves-Jesus, Marcelo Lachat. Elizabeth Joansen, Alberto Vieira, Alfredo Cunhal Sedim e sua mulher...
Penso que a riqueza impar e tão significativa das múltiplas formas de celebrar e partilhar o culto do Espírito Santo em Portugal, ilhas e Brasil foi em vários aspectos bem apresentada...
e que o mistério do Espírito em cada um de nós e do Espírito Santo divino no Cosmos, com algumas boas aproximações, terá ficado também mais claro, vivo, irradiante...
Neste sentido contribuiu bastante o ambiente de cordialidade dos diálogos e, finalmente, no último dia, a comunicação do bispo D. Manuel Clemente (da qual gravei dois excertos visíveis no youtube) e sobretudo a missa do Espírito Santo.
concelebrada por ele e mais cinco sacerdotes (na imagem a invocação das bênçãos divinas no momento crucial e pinacular da celebração eucarística) e muito bem pautada pelo notável ou suave coro de Alenquer,
abrindo-se mais os canais de ligação e de comunicação do fogo do Espírito em alguns dos Fiéis do Amor que enchiam a bela igreja do convento de S. Francisco, onde algumas estátuas são também de grande qualidade e força.
O claustro ajardinado é de uma beleza e vibração notabilíssima para não dizer sublime, tal a paz profunda se sente a vibrar no ar, quem sabe por obra e graça do Espírito santo e anima mundi... Felizes os que usufruem ou usufruirão de tal oásis ou paraíso na terra...
Como na sexta-feira 16 participei a partir das 16:30 na Sessão Paralela I, no Auditório Damião de Góis, sob o tema atribuído às quatro comunicações de "Paracletianismo e Utopia na Literatura, na Filosofia e na Arte" refiro que foi a sessão bem orientada por Maria Luísa Ribeiro Ferreira e abriu o diálogo, que só no fim se concretizou mais especificamente com as perguntas e respostas, Rui Rego sob o título O Perdão como Utopia: Um Princípio de Acção entre o Passado e o Futuro, desenvolvido numa linha filosófico-moral, realçando o valor do perdão como cicatrizador ou curador das feridas da memória.
Seguiu-se Ana de Campos Leitão que falou sobre o tema Pentaecologia: proposições utopísticas para (a)catar um sentido feliz para o desenvolvimento, numa linha antropológica e sociológica, aberta e empenhada na sobrevivência da dignidade humana e da ecologia planetária numa linha lúcida de discernir as manipulações opressivas a que há que resistir.
O Espirito e o Espírito Santo em alguns dos últimos elos da Tradição Espiritual Portuguesa: Antero de Quental, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, foi o tema exposto por Pedro Teixeira da Mota, que respondeu ainda a uma questão mais detalhadamente (com a Ana de Campos Leitão, já disponível no Youtube).
A última comunicação, mais técnica e histórica, foi a de António Pereira intitulada A Utopia/Distopia do Petróleo, na qual traçou uma historia da extracção e utilização do petróleo como fonte de energia desde a Antiguidade aos perigosos furos actuais, detendo-se ainda sobre os desafios energéticos que a Humanidade a todos níveis tem diante de si.

Parabéns à organização científica e técnica, liderada pelo prof. José Eduardo Franco  e a sua vasta equipa de doutorandos, à Câmara Municipal, e em especial ao Presidente Pedro Ferreira Folgado e ao vice-presidente Rui Soares da Costa (sempre presente), e às demais pessoas, entidades ou instituições envolvidas...
Por último, lembre-nos que o Espírito Santo sopra onde e quando quer e que portanto devemos considerar a sua essência Divina, e a sua presença e actuação a partir do mundo espiritual e geradora de infinitas virtualidades e manifestações. as quais se consubstanciam em nós numa obra em aberto ou como os Joaquimitas e franciscanos espirituais no séc. XIII chamaram, no Evangelho Eterno e que Antero de Quental considerou uma vez numa carta aos seu grande amigo poeta Fernando Leal como a revelação e a voz do Espírito divino no mais íntimo de nós, e noutra ocasião que o Evangelho é Eterno porque tem sempre a sua última página em branco, aquela que nos compete escrever, trabalhar.
Neste sentido fluuu também o cardeal D. Manuel Clemente, no final da sua valiosa comunicação, referindo o Espírito Santo na ecologia, e vemos aqui o rio de Alenquer, muito limpo ou pouco poluído, cheio de trutas e patos, a atravessar a cidade presépio antes de ir desaguar no seio das Tágides nossas,

apresentando tal novidade eclesial (embora os franciscanos a tivessem há muito...) expressa na recente encíclica do papa Francisco, e deste modo renovando o famoso dito ou prece de Jesus, ao também misterioso Pai, "Faça-se a vossa vontade assim na terra como no céu", tal como fazem destemida ou airosamente há muito anos estas duas grandes araucárias que abençoam a zona da Câmara Municipal.

Alenquer é também a cidade do nascimento do mestre humanista, guerreiro e diplomata Damião de Goes (1502-574), autor de vasta obra de história, causas, filosofia moral e religião, e que foi perseguido e preso pela Inquisição. Os seus despojos mortais, de uma morte ou assassinato, repousam numa bela capela de Alemquer.
Ei-lo num belo trabalho de estuque no salão nobre do belo edifício da Câmara Municipal...
Com a rainha santa Isabel, nesta imagem da capela do Espírito Santo,

                                                        
eles são certamente  elos da Tradição Espiritual Portuguesa que nos abençoam desde os mundos espirituais...
Para terminar, e em função da minha comunicação, O Espirito e o Espírito Santo em alguns dos últimos elos da Tradição Espiritual Portuguesa: Antero de Quental, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva, transcrevo duas citações de cada um. E começo por Antero de Quental, tanto mais que participei enquanto associado do Instituto Açoriano da Cultura, e que ele, tal como Damião de Goes em Alenquer, nasceu e morreu no mesmo local, em S. Miguel, no centro mais irradiador do culto do Espirito Santo, as ilhas dos Açores:

«O que nos salva é a obediência cada vez maior às sugestões daquele demónio interior, é a união cada vez maior do nosso ser natural com o seu princípio não natural, é o alargamento crescente da nossa vida moral nas outras vidas não morais, é a fé na espiritualidade latente mas fundamental do universo, é o amor e a prática do bem, para tudo dizer numa palavra». (Carta de Vila de Conde, de 14-11-1886 a Jaime Magalhães Lima). 
Carta de 12-8-1884 a João Machado de Faria e Maia: «a nossa vida, meu João, verdadeiramente, é só a vida da nossa alma, do misterioso e sublime eu que somos no fundo: ora esse eu ou essa alma tem a sua esfera na região do impessoal: o seu mundo é o da abnegação, da pureza, da paciência e do contentamento, na renúncia do individuo natural e de tudo quanto o limita, algema e obscurece é que consiste a sua misteriosa individualidade» 
De Fernando Pessoa, citamos no nosso breve discurso, sobre o espírito em nós, esta parte do Livro do Desassossego: «Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mónada íntima, da palavra mágica da alma», 
E sobre o Espírito Santo: «Ele é primeiro o Inefável, a Alma de Deus, ou Criador de Deus, e chamamos-Lhe o Espírito Santo ou o Espírito Divino», salientando a importância de congraçarmos os teológos e as definições conciliares e dogmáticas com os filósofos, os misticos e os poetas na demanda clarificante do Espírito, pelo qual toda a humanidade no fundo anseia tanto....
De Agostinho da Silva: «o Espírito Santo é o centro abstracto, o ponto simultaneamente ideal e existente, só pensado e real, em que se encontram todas as religiões; como ponto importante e indispensável de uma roda é exactamente aquele que nela se não move, assim toda a actividade religiosa vem do espírito, nenhuma religião é sem ele concebível e todas a ele se dirigem; mas, como a Ilha Encantada de que falam contos e postas, só ouvimos o mar bater-lhe se o não escutamos e só a ela chegamos se a não buscarmos, ocultar-se-ia o Espírito se dele fizéssemos o centro de uma religião nossa, com exclusão de qualquer das outras»
E umas quadras do fim da sua vida: «Matéria sendo bailado/ que faz o Espírito santo/ com o espírito que é nosso/ e que santo não é tanto.//
Da dança brota primeiro/ o que se chama energia/ naquele saber de agora/ em que física se fia».             
Que o Espírito Divino, Santo e da Verdade, brilhe e irradie mais em nós....